sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Acolhida

Ele aproximou-se de mansinho
Sem nenhuma pressa para chegar
E se aconchegou tão devagarzinho
Que fui, distraída, deixando-o ficar

Por diversas vezes me prometi
Que não o deixaria ali demorar
O tempo passou... E eu não percebi...
Quando dei por mim, já era o seu lar

Dei àquele moço o espaço que queria
Ainda mais espaço lhe cederia
Se ele me pedisse, sem hesitar

Se eu quiçá previsse naquele dia
O quanto me agrada sua companhia
Jamais o teria deixado entrar

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Só por hoje...




Deixe as preocupações pelo caminho
Não quero nada além do essencial:
A vitrola, a cachaça e o sofazinho
(É . . . um ventilador não ia mal)

Hoje quero deixar atrás da porta
O medo da mamãe e do vizinho
Derramar as lágrimas da comporta
Do choro sentido de um cavaquinho

Quero você de pescoço estalado
E sorriso de menino levado
Para brindar nossa felicidade

Cristalinas e cortantes risadas
Para matar de uma vez a saudade
Com golpes pungentes de gargalhadas

OBS.: Imagem retirada de: http://deuscego.blogspot.com/

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Perfil do jornalista Dilson Pimentel

Uma breve introdução à rotina da carreira do jornalista


Charge feita pelo ilustríssimo Waldez

Pele clara, cabelos escuros, altura mediana e um semblante de quem não tem nenhum problema na vida. Essas foram as primeiras impressões que tive ao observar o jornalista Dilson Pimentel pela primeira vez. O sorriso fácil e a aparência tranquila, no entanto, não revelam nem de longe a rotina deste profissional. Conhecido como “Delegado” por seus colegas de trabalho, ele é repórter da editoria de polícia do jornal O Liberal, além de assessor de uma de uma das Secretarias Municipais mais requisitadas pelos jornalistas: A Sesan, responsável pela área de saneamento público da cidade.

Dilson trabalha como repórter desde janeiro de 1990. Nos cinco primeiros anos de carreira, ele escreveu para os cadernos de notícias cotidianas, esportes, política e educação. Desde 1995, porém, está setorizado no caderno de polícia. Quando perguntei se ele gostava de trabalhar na editoria, ele respondeu resignado: “Eu me adaptei”. Como? Para não cair na rotina, ele contou que procura se aprofundar nos assuntos que cobre e tentar descobrir o que levou a pessoa a cometer o crime. “Muito do que apuro não é publicado, mas pergunto para conhecer mesmo”, alegou.

Diante de uma rotina tão pesada de trabalho, o “Delegado” tem um segredo para manter o bom humor: não levar o que apura para casa. Dilson sai de seu apartamento todos os dias às 7h da manhã, leva a filha ao cursinho e segue para a Sesan. Ele almoça às 13h, começa o seu expediente no jornal O Liberal às 14h e (Ufa!) volta para casa por volta das 21h. Embora reconheça que mudou sua rotina depois que começou a trabalhar na editoria – não anda com os vidros do carro abertos, procura não ficar parado em semáforos, segue as dicas de segurança dos policiais –, ele não se adéqua ao estereótipo de quem trabalha há 16 anos numa editoria de polícia, nem perde e o ar gentil.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sobre velhos amores

Há tempos venho procrastinando escrever este texto, da mesma forma como venho adiando aquele passeio de barco com o meu pai ou aquale cinema com uma amiga. É que talvez escrever este texto seja reconhecer que não tenho priorizado momentos importantes, o que é tão ou mais difícil do que mudar de postura.

Convenhamos: cultivar relacionamentos antigos não é nada fácil. Com o passar dos anos, eles vão perdendo o viço e já não exercem sobre nós o mesmo fascínio de uma novidade.

Tudo o que é novo possui sortilégios. O que não conhecemos tem uma espécie de luz que nos enche os olhos. Há um ar de mistério que pode até nos assustar, porém, instiga a nossa curiosidade e atiça nossa imaginação.

Sim!!! Devemos estar receptivos e celebrar as surpresas que a vida nos traz.

O que não podemos é fugir da responsabilidade de zelar pelo que cativamos. Assim como as nossas pupilas reduzem de tamanho em ambientes muito claros, quando algo novo nos aparece, tendemos a ficar meio cegos para aquelas pessoas e situações que antes nos pareciam tão nítidas.

No entanto, há que se ter paciência com o que é antigo, da mesma forma como tínhamos a perseverança de montar o brinquedo que mais gostávamos todas as vezes que ele quebrava. É preciso ter um "cadinho" de jogo de cintura para evitar os possíveis bocejos que uma história contada pela milésima vez pode provocar. Devemos ter perspicácia para perceber o privilégio e a beleza de receber uma bênção que só as mãos enrugadas e manchadinhas de uma avó podem nos proporcionar.

Diante do brilho do que é novo, é necessário garantir que o antigo não seja ofuscado. Ter sabedoria para deixar passar o que for efêmero e guardar com carinho o que veio para ficar. Deixar para outro dia o conserto do carro e o horário marcado no dentista e adiantar o passeio de barco e o cineminha para antes do final de semana.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Acalanto

Deixe que o tempo te leve
De leve como a brisa praiana
Semana após semana
Te conduza pelo caminho que deve

Em outros portos hás de ser passageiro
Apenas planar como um passarinho
Ou quem sabe ancorar o teu veleiro
E ali construir um ninho

Mas...

Se uma onda breve
Te trouxer de volta à minha praia

Meus lábios com gosto de frutas frescas hão de te beijar
Meus cantos serelepes hão de te celebrar
Meus braços em forma de rede hão de te abraçar

E na doçura dos meus beijos...
No acalanto dos meus (en)cantos...
E na preguiça do meu embalo...

A tradução de toda leveza
Que existe na palavra que gostas:
Beleza!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A linha

Quantas vidas teremos de viver
Para que possamos nos entender, amor?

A linha tênue que nos separa
Não consigo perceber
É plasma translúcido
É vidro inquebrável
É ponte intransponível
É mar sem fim...

Sem fim...
Assim é meu carinho por ti
É a cumplicidade que encontro em cada gesto
A compreensão que vejo em cada olhar

O lar

Na morada dos teus abraços
Quero sempre habitar
Mas há o plasma, o vidro, a ponte, o mar...

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Suponhamos / Sírio Possenti

Leitores,

Sobre a polêmica do livro aprovado pelo MEC, li um artigo muito interessante escrito por Sírio Possenti. Eu fui uma que fiquei horrorizada quando ouvi no Jornal Nacional que um livro didático tinha erros de concordância. Mas depois, analisando melhor a situação, revi uns conceitos. Quem sabe você não repensa também sobre algumas situações?! Em tempos de Twitter e de banhos de "informações em tempo real", é sempre bom parar e digerir o que se lê antes de emitir opiniões. Ainda mais se você for Jornalista...

Beijos, 

Bianca.


 

Aceitam tudo

Reprodução
Trecho do livro Por uma Vida Melhor apresenta a pergunta posso falar 'os livro'?
Trecho do livro "Por uma Vida Melhor" apresenta a pergunta "posso falar 'os livro'?"

Sírio Possenti
De Campinas (SP)
De vez em quando, alguém diz que lingüistas "aceitam" tudo (isto é, que acham certa qualquer construção). Um comentário semelhante foi postado na semana passada. Achei que seria uma boa oportunidade para tentar esclarecer de novo o que fazem os linguistas.
Mas a razão para tentar ser claro não tem mais a ver apenas com aquele comentário. Surgiu uma celeuma causada por notas, comentários, entrevistas etc. a propósito de um livro de português que o MEC aprovou e que ensinaria que é certo dizer Os livro. Perguntado no espaço dos comentários, quando fiquei sabendo da questão, disse que não acreditava na matéria do IG, primeira fonte do debate. Depois tive acesso à indigitada página, no mesmo IG, e constatei que todos os que a leram a leram errado. Mas aposto que muitos a comentaram sem ler.
Vou tratar do tal "aceitam tudo", que vale também para o caso do livro.
Primeiro: duvido que alguém encontre esta afirmação em qualquer texto de linguística. É uma avaliação simplificada, na verdade, um simulacro, da posição dos linguistas em relação a um dos tópicos de seus estudos - a questão da variação ou da diversidade interna de qualquer língua. Vale a pena insistir: de qualquer língua.
Segundo: "aceitar" é um termo completamente sem sentido quando se trata de pesquisa. Imaginem o ridículo que seria perguntar a um químico se ele aceita que o oxigênio queime, a um físico se aceita a gravitação ou a fissão, a um ornitólogo se ele aceita que um tucano tenha bico tão desproporcional, a um botânico se ele aceita o cheiro da jaca, ou mesmo a um linguista se ele aceita que o inglês não tenha gênero nem subjuntivo e que o latim não tivesse artigo definido.
Não só não se pergunta se eles "aceitam", como também não se pergunta se isso tudo está certo. Como se sabe, houve época em que dizer que a Terra gira ao redor do sol dava fogueira. Semmelveis foi escorraçado pelos médicos que mandavam em Viena porque disse que todos deveriam lavar as mãos antes de certos procedimentos (por exemplo, quem viesse de uma autópsia e fosse verificar o grau de dilatação de uma parturiente). Não faltou quem dissesse "quem é ele para mandar a gente lavar as mãos?"
Ou seja: não se trata de aceitar ou de não aceitar nem de achar ou de não achar correto que as pessoas digam os livro. Acabo de sair de uma fila de supermercado e ouvi duas lata, dez real, três quilo a dar com pau. Eu deveria mandar esses consumidores calar a boca? Ora! Estávamos num caixa de supermercado, todos de bermuda e chinelo! Não era um congresso científico, nem um julgamento do Supremo!
Um linguista simplesmente "anota" os dados e tenta encontrar uma regra, isto é, uma regularidade, uma lei (não uma ordem, um mandato).
O caso é manjado: nesta variedade do português, só há marca de plural no elemento que precede o nome - artigo ou numeral (os livro, duas lata, dez real, três quilo). Se houver mais de dois elementos, a complexidade pode ser maior (meus dez livro, os meus livro verde etc.). O nome permanece invariável. O linguista isso, constata isso. Não só na fila do supermercado, mas também em documentos da Torre do Tombo anteriores a Camões. Portanto, mesmo na língua escrita dos sábios de antanho.
O linguista também constata the books no inglês, isto é, que não há marca de plural no artigo, só no nome, como se o inglês fosse uma espécie de avesso do português informal ou popular. O linguista aceita isso? Ora, ele não tem alternativa! É um dado, é um fato, como a combustão, a gravitação, o bico do tucano ou as marés. O linguista diz que a escola deve ensinar formas como os livro? Esse é outro departamento, ao qual volto logo.
Faço uma digressão para dar um exemplo de regra, porque sei que é um conceito problemático. Se dizemos "as cargas", a primeira sílaba desta sequência é "as". O "s" final é surdo (as cordas vocais não vibram para produzir o "s"). Se dizemos "as gatas", a primeira sílaba é a "mesma", mas nós pronunciamos "az" - com as cordas vocais vibrando para produzir o "z". Por que dizemos um "z" neste caso? Porque a primeira consoante de "gatas" é sonora, e, por isso, a consoante que a antecede também se sonoriza. Não acredita? Vá a um laboratório e faça um teste. Ou, o que é mais barato, ponha os dedos na sua garganta, diga "as gatas" e perceberá a vibração. Tem mais: se dizemos "as asas", não só dizemos um "z" no final de "as", como também reordenamos as sílabas: dizemos as.ga.tas e as.ca.sas, mas dizemos a.sa.sas ("as" se dividiu, porque o "a" da palavra seguinte puxou o "s/z" para si). Dividimos "asas" em "a.sas", mas dividimos "as asas" em a.sa.sas.
Volto ao tema do linguista que aceitaria tudo! Para quem só teve aula de certo / errado e acha que isso é tudo, especialmente se não tiver nenhuma formação histórica que lhe permitiria saber que o certo de agora pode ter sido o errado de antes, pode ser difícil entender que o trabalho do linguista é completamente diferente do trabalho do professor de português.
Não "aceitar" construções como as acima mencionadas ou mesmo algumas mais "chocantes" é, para um linguista, o que seria para um botânico não "aceitar" uma gramínea. O que não significa que o botânico paste.
Proponho o seguinte experimento mental: suponha que um descendente seu nasça no ano 2500. Suponha que o português culto de então inclua formas como "A casa que eu moro nela mais os dois armário vale 300 cabral" (acho que não será o caso, mas é só um experimento). Seu descendente nunca saberá que fala uma língua errada. Saberá, talvez (se estudar mais do que você), que um ancestral dele falava formas arcaicas do português, como 300 cabrais.
Outro tema: o linguista diz que a escola deve ensinar a dizer Os livro? Não. Nenhum linguista propõe isso em lugar nenhum (desafio os que têm opinião contrária a fornecer uma referência). Aliás, isso não foi dito no tal livro, embora todos os comentaristas digam que leram isso.
O linguista não propõe isso por duas razões: a) as pessoas já sabem falar os livro, não precisam ser ensinadas (observe-se que ninguém falao livros, o que não é banal); b) ele acha - e nisso tem razão - que é mais fácil que alguém aprenda os livros se lhe dizem que há duas formas de falar do que se lhe dizem que ele é burro e não sabe nem falar, que fala tudo errado. Há muitos relatos de experiências bem sucedidas porque adotaram uma postura diferente em relação à fala dos alunos.
Enfim, cada campo tem seus Bolsonaros. Merecidos ou não.
PS 1 - todos os comentaristas (colunistas de jornais, de blogs e de TVs) que eu ouvi leram errado uma página (sim, era só UMA página!) do livro que deu origem à celeuma na semana passada. Minha pergunta é: se eles defendem a língua culta como meio de comunicação, como explicam que leram tão mal um texto escrito em língua culta? É no teste PISA que o Brasil, sempre tem fracassado, não é? Pois é, este foi um teste de leitura. Nosso jornalismo seria reprovado. PS 2 - Alexandre Garcia começou um comentário irado sobre o livro em questão assim, no Bom Dia, Brasil de terça-feira: "quando eu TAVA na escola...". Uma carta de leitor que criticava a forma "os livro" dizia "ensinam os alunos DE que se pode falar errado". Uma professora entrevistada que criticou a doutrina do livro disse "a língua é ONDE nos une" e Monforte perguntou "Onde FICA as leis de concordância?". Ou seja: eles abonaram a tese do livro que estavam criticando. Só que, provavelmente, acham que falam certinho! Não se dão conta do que acontece com a língua DELES mesmos!!


Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso, Questões para analistas de discurso e Língua na Mídia.
 
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5137669-EI8425,00-Aceitam+tudo.html

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Mulheres

Não era todo dia que Lori pensava nele ao acordar, mas acontecia. No início fora difícil dormir sozinha. Acostumou-se, embora preferisse de outra forma.

Todos os dias, Sabina ouve músicas em seu carro. Ela gostaria de mostrá-las a ele, porém sentia-se feliz por estar sozinha.

Enquanto está no trabalho, Janaína tem a impressão de que não daria conta de realizar nem metade das tarefas que desempenha caso ainda estivessem juntos. Quando sai, no entanto, tem vontade de se jogar na cama dele. Ouvir e contar como foi o dia. Rir.

Edna queria que ele tivesse certezas. Todavia, ela mesma não sabia o que queria.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Quando a Felicidade bate

Uma felicidade violenta invadiu a minha casa. Chegou arrombando a porta, destruindo a fechadura, as trancas, os ferrolhos. Pôs abaixo, de uma só vez, tudo o que impedia a sua entrada.

Quando a vi chegar -  assim altiva, furiosa - tive medo. Assustado, tentei me esconder debaixo do balcão da cozinha, atrás da pia do banheiro, no vão do armário do quarto. Não adiantou.

A Felicidade me pegou desprevenido, a ladina. Ouvia Clube da Esquina, chorava velhas mágoas. Ela não quis saber.

Ela não quis saber. Chegou como um tufão. 'Deu' na minha cara. Perguntou se doeu. Bateu mais forte. E outra vez. Mais uma. (A esta altura eu já gostava). Esfregou minha cara em seus pés e me fez lamber o chão que pisava.

Não tive como resistir. Indefeso, entreguei-me como a um carrasco. Deixei que me puxasse pelos cabelos e me arrastasse mundo afora.

Submisso.

A Felicidade me dominou de tal forma que hoje não vivo sem ela. Desejo cada instante de suas tortuosas delícias. Noite e dia almejo seu açoite.

Escravo.

Obedeço cada ordem que ela, autoritária, me impõe.

domingo, 27 de março de 2011

Indecisão

"Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata". Clarice Lispector.


O meu amor me musicou
Me transformou em Musa
Meu coração arrebatou
Não aceitou escusa

Mas logo ele me deu um banho
E foi com água fria
Senti meu corpo todo estranho
E meu queixo batia

Ô meu bem faça o favor
De se decidir
Ou cative o meu Amor
Ou deixe ele partir

O meu benzinho me cultiva
Com tanto calor
Que o meu peito não resiste:
Se desmacha em flor

Só que o meu bem sabe um segredo:
O Destino é brincalhão
É por isso que tem medo
E ele tem razão

Mas meu bem faça o favor
De se decidir
Ou cative o meu Amor
Ou deixe ele partir





sábado, 26 de março de 2011

A vida em suspensão

A parte menos densa do líquido emergiu à superfície do copo. A bailarina saltou. A poeira subiu na estrada. 

Neste mesmo instante, os pés dela perdiam o contato com a madeira áspera do trampolim. Seu corpo seguia em direção ao céu e, logo em seguida, a menina experimentava a força irreversível da queda. Sentia o vento esticar os seus cabelos, arrepiar seus poros e correr dentro de sua barriga. Vertigem.

Ela se encontrava no momento que precedia o mergulho. Antes mesmo que a ponta de seus dedos tocasse a superfície e abrisse caminho para que seu corpo espalhasse o volume de água correspondente a ele. A moça estava exatamente no instante anterior à estabilidade e esperava por ela como quem tem pistas de um mistério a ser desvendado, um quebra-cabeça quase montado ou um texto semi-pronto.

O rio seguia o seu curso. A chuva cumpria seu ciclo. Na natureza, tudo se renovava. Ela aguardava.


OBS.: Foto retirada do site foto.limao.com.br

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Já vou tarde

Quis lhe dar por um momento
Poeiras cintilantes de firmamento
Mas você queria mesmo era a lamparina
Não queria nem passar da esquina

Além das lucenas tem um luzeiro
Dentro do luzeiro, um Dragão
Mas você queria era o candeeiro
Sempre pedia o que lhe cabia na mão

Ah, querido...
Depois dessa Vila tem muito chão
Mas o seu olho está obstruído

Perdão, minha vida...
A esquina é muito perto
Pra quem tem perna comprida...

Ah, covarde!
Não é do Dragão que você tem medo
É da poeira que brilha nos olhos 
Depois que termina a tarde

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O que você quer ser quando crescer?

Outro dia, mamãe perguntou quais as minhas pretensões para o futuro, certamente esperando que eu lhe descrevesse uma brilhante carreira profissional. Qual não foi a sua surpresa quando respondi que desejava, pelo resto dos meus dias, acordar em uma casa branca, com portas e janelas azuis, em que levantasse mais cedo que todos para preparar o café-da-manhã.


Após a mesa posta, eu despertaria docemente meus três filhos preguiçosos e informaria com um beijo ao meu marido que o desjejum estava servido. Logo depois do comermos, todos juntos, eu deixaria as crianças na escola e compraria frutas e verduras frescas para o almoço, além de gérberas para enfeitar os vasos da casa. Todos os dias, eu teria o cuidado de deixar cada cômodo arrumado e limpo.

Enquanto as roupas estivessem na máquina de lavar, bordaria mimosas capas para as almofadas do sofá da sala. Imagine que belos os lençóis trepidando impávidos no varal! Eu aspiraria contente o perfume deles, imaginando meus filhos dormindo aconchegados naqueles tecidos coloridos. Mas não se preocupe, mamãe, eu não iria esquecer quem me educou com tanto carinho. Todos os dias, ligaria para você - e também para a minha sogra, é claro - para saber se precisavam de alguma coisa. Nós, provavelmente, conversaríamos sobre o desastre noticiado no telejornal ou sobre as roseiras do quintal.

O preparo do almoço seria um momento sagrado. Cada ingrediente, cuidadosamente selecionado e tratado, teria o objetivo de proporcionar ao meu esposo e filhos uma alimentação deliciosa e saudável. Às 11 horas, eu buscaria os bacurizinhos na escola e eles me contariam sobre suas atividades. Ao chegar a nosso ninho, com muito custo, eu os convenceria sobre a importância de tomar banho todos os dias e, enquanto estivessem no chuveiro, colocaria a mesa para que eles, eu e o marido, almoçássemos. Nós, então, teríamos uma breve sesta e eu ajudaria os meninos com as tarefas de casa.

Por volta das 15 horas, deixaria as crianças nas aulas de música ou de idiomas, enquanto eu faria alguma atividade física. Ao retornarmos, o momento mais esperado do dia pelos pimentinhas: o da brincadeira com os vizinhos. Eu me divertiria ouvindo os gritos e a gargalhada dos serelepes, além dos latidos enlouquecidos do nosso bulldog!

À noite, com a chegada do marido, nova luta para colocar os incansáveis para dentro e fazê-los tomar banho. Depois da missão cumprida, o jantar e o merecido repouso. Os pés cansados de meu homem trabalhador receberiam uma revigorante massagem e... Não podendo mais suportar os olhos perplexos de minha mãe, disse: Tá bom, é mentira... Na verdade, eu...

OBS.: Foto retirada do site http://melmorenaboutique.blogspot.com/ .

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Feliz 2011

Olá leitores do meu blog!

Apesar de já estarmos quase no fim de janeiro, acho que ainda dá tempo de postar uma mensagem de Feliz Ano Novo. Escolhi a música "I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free". Desconheço a autoria, mas ela é um encanto, ainda mais na voz de Nina Simone. Também selecionei um texto de Rachel de Queiroz sobre a distância que há entre o que pensamos que desejamos e o que desejamos de fato. Muito lindo! Há um trecho que não entendi bem, mas me pareceu um pouco racista ("...o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro,..."). Por via das dúvidas, prefiro deixar claro que acredito que foi muito criativo da parte de Deus ter colocado no mundo pessoas com as mais diversas cores de pele. E que espero que um dia as pessoas entendam que tom de pele é igual tom de cabelo: não faz de ninguém melhor ou pior, apenas nos diferencia visualmente.
Um beijo a todos os meus queridos! Tenham um ano maravilhoso!

Peixinhos,

Bianca Leão.



Eis a música:

http://www.youtube.com/watch?v=JeXtfmAwvvY&feature=fvst

Eis o texto:

Talvez o último desejo (Rachel de Queiroz)


Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para o ano de 1950. E a resposta natural é dizer-lhe que desejo muita paz, prosperidade pública e particular para todos, saúde e dinheiro aqui em casa. Que mais há para dizer?

Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara: Te dana!

Sim te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bichos, ao continente, ao país, ao Estado, à cidade, à população, aos parentes, amigos e conhecidos: danem-se! Danem-se que eu não ligo, vou pra longe me esquecer de tudo, vou a Pasárgada ou a qualquer outro lugar, vou-me embora, mudo de nome e paradeiro, quero ver quem é que me acha.

Isso que eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te dana, meu bem! Dora em vante pode fazer o que entender, pode ir, pode voltar, pode pagar dançarinas, pode fazer serenatas, rolar de borco pelas calçadas, pode jogar futebol, entrar na linha de Quimbanda, pode amar e desamar, pode tudo, que eu não ligo!

Chegar junto ao respeitável público e comunicar-lhe: Danai-vos, respeitável público. Acabou-se a adulação, não me importo mais com as vossas reações, do que gostais e do que não gostais; nutro a maior indiferença pelos vossos apupos e os vossos aplausos e sou incapaz de estirar um dedo para acariciar os vossos sentimentos. Ide baixar noutro centro, respeitável público, e não amoleis o escriba que de vós se libertou!

Chegar junto da pátria e dizer o mesmo: o doce, o suavíssimo, o libérrimo te dana. Que me importo contigo, pátria? Que cresças ou aumentes, que sofras de inundação ou de seca, que vendas café ou compres ervilhas de lata, que simules eleições ou engulas golpes? Elege quem tu quiseres, o voto é teu, o lombo é teu. Queres de novo a espora e o chicote do peão gordo que se fez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o paulista de olho fundo? Escolhe à vontade - que me importa o comandante se o navio não é meu? A casa é tua, serve-te, pátria, que pátria não tenho mais.

Dizer te dana ao dinheiro, ao bom nome, ao respeito, à amizade e ao amor. Desprezar parentela, irmãos, tios, primos e cunhados, desprezar o sangue e os laços afins, me sentir como filho de oco de pau, sem compromissos nem afetos.

Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente ao mormaço.


Mas não faço. Queria tanto, mas não faço. O inquieto coração que ama e se assusta e se acha responsável pelo céu e pela terra, o insolente coração não deixa. De que serve, pois, aspirar à liberdade? O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode viver. O que ele deseja é mesmo servidão e intranqüilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiar, quer se romper todo. Tem que espreitar os desejos do amado, e lhe fazer as quatro vontades, e atormentá-lo com cuidados e bendizer os seus caprichos; e dessa submissão e cegueira tira a sua única felicidade.

Tem que cuidar do mundo e vigiar o mundo, e gritar os seus brados de alarme que ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças previsíveis e carpir junto com os demais as desgraças acontecidas; não que o mundo lhe agradeça nem saiba sequer que esse estúpido coração existe. Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz - o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiado estranho para o seu lado sentir e gemer e se saber seu irmão.

E tem o pai morto e a mãe viva, tão poderosos ambos, cada um na sua solidão estranha, tão longe dos nossos braços.


E tem a pátria que é coisa que ninguém explica, e tem o Ceará, valha-me Nossa Senhora, tem o velho pedaço de chão sertanejo que é meu, pois meu pai o deixou para mim como o seu pai já lho deixara e várias gerações antes de nós, passaram assim de pai a filho.

E tem a casa feita pela nossa mão, toda caiada de branco e com janelas azuis, tem os cachorros e as roseiras.

E tem o sangue que é mais grosso que a água e ata laços que ninguém desata, e não adianta pensar nem dizer que o sangue não importa, porque importa mesmo. E tem os amigos que são os irmãos adotivos, tão amados uns quanto os outros.

E tem o respeitável público que há vinte anos nos atura e lê, e em geral entende e aceita, e escreve e pede providências e colabora no que pode. E tem que se ganhar o dinheiro, e tem que se pagar imposto para possuir a terra e a casa e os bichos e as plantas; e tem que se cumprir os horários, e aceitar o trabalho, e cuidar da comida e da cama. E há que se ter medo dos soldados, e respeito pela autoridade, e paciência em dia de eleição. Há que ter coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou.

E assim, em vez da bela liberdade, da solidão e da música, a triste alma tem mesmo é que se debater nos cuidados, vigiar e amar, e acompanhar medrosa e impotente a loucura geral, o suicídio geral. E adular o público e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se dedicar a si própria e aos seus desejos secretos.

Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades?

O único desabafo é descobrir o mísero coração dentro do peito, sacudi-lo um pouco e botar na boca toda a amargura do cativeiro sem remédio, antes de o apostrofar: Te dana, coração, te dana!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Carta ao Sr. B.

Cidade das Mangueiras, 19 de janeiro de 2011

Sr. B.,

Plantei flores em nossas cinzas e, de nossos cacos, ergui um baluarte. Se celebrei o réquiem de nosso amor-defunto com risos cristalinos foi para esconder de todos minha alma chorosa. Não pudeste sustentar minha leveza. Mas não te culpo, senão por me protegeres do julgo das verdades inteiras.
Sr. B., não te enganes,não é porque não exijo explicações que não as quero. Sei, contudo, que cada um dá o que pode. Quanto a mim, só o que posso te dar é minha alegria. Perdão se ela chega a ser ostensiva, mas não tenho outro repertório.
Só te faço um último pedido: nunca mais ouses pousar nos meus os teus olhos de kriptonita.

Atenciosamente,
.