segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O que você quer ser quando crescer?

Outro dia, mamãe perguntou quais as minhas pretensões para o futuro, certamente esperando que eu lhe descrevesse uma brilhante carreira profissional. Qual não foi a sua surpresa quando respondi que desejava, pelo resto dos meus dias, acordar em uma casa branca, com portas e janelas azuis, em que levantasse mais cedo que todos para preparar o café-da-manhã.


Após a mesa posta, eu despertaria docemente meus três filhos preguiçosos e informaria com um beijo ao meu marido que o desjejum estava servido. Logo depois do comermos, todos juntos, eu deixaria as crianças na escola e compraria frutas e verduras frescas para o almoço, além de gérberas para enfeitar os vasos da casa. Todos os dias, eu teria o cuidado de deixar cada cômodo arrumado e limpo.

Enquanto as roupas estivessem na máquina de lavar, bordaria mimosas capas para as almofadas do sofá da sala. Imagine que belos os lençóis trepidando impávidos no varal! Eu aspiraria contente o perfume deles, imaginando meus filhos dormindo aconchegados naqueles tecidos coloridos. Mas não se preocupe, mamãe, eu não iria esquecer quem me educou com tanto carinho. Todos os dias, ligaria para você - e também para a minha sogra, é claro - para saber se precisavam de alguma coisa. Nós, provavelmente, conversaríamos sobre o desastre noticiado no telejornal ou sobre as roseiras do quintal.

O preparo do almoço seria um momento sagrado. Cada ingrediente, cuidadosamente selecionado e tratado, teria o objetivo de proporcionar ao meu esposo e filhos uma alimentação deliciosa e saudável. Às 11 horas, eu buscaria os bacurizinhos na escola e eles me contariam sobre suas atividades. Ao chegar a nosso ninho, com muito custo, eu os convenceria sobre a importância de tomar banho todos os dias e, enquanto estivessem no chuveiro, colocaria a mesa para que eles, eu e o marido, almoçássemos. Nós, então, teríamos uma breve sesta e eu ajudaria os meninos com as tarefas de casa.

Por volta das 15 horas, deixaria as crianças nas aulas de música ou de idiomas, enquanto eu faria alguma atividade física. Ao retornarmos, o momento mais esperado do dia pelos pimentinhas: o da brincadeira com os vizinhos. Eu me divertiria ouvindo os gritos e a gargalhada dos serelepes, além dos latidos enlouquecidos do nosso bulldog!

À noite, com a chegada do marido, nova luta para colocar os incansáveis para dentro e fazê-los tomar banho. Depois da missão cumprida, o jantar e o merecido repouso. Os pés cansados de meu homem trabalhador receberiam uma revigorante massagem e... Não podendo mais suportar os olhos perplexos de minha mãe, disse: Tá bom, é mentira... Na verdade, eu...

OBS.: Foto retirada do site http://melmorenaboutique.blogspot.com/ .

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Feliz 2011

Olá leitores do meu blog!

Apesar de já estarmos quase no fim de janeiro, acho que ainda dá tempo de postar uma mensagem de Feliz Ano Novo. Escolhi a música "I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free". Desconheço a autoria, mas ela é um encanto, ainda mais na voz de Nina Simone. Também selecionei um texto de Rachel de Queiroz sobre a distância que há entre o que pensamos que desejamos e o que desejamos de fato. Muito lindo! Há um trecho que não entendi bem, mas me pareceu um pouco racista ("...o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro,..."). Por via das dúvidas, prefiro deixar claro que acredito que foi muito criativo da parte de Deus ter colocado no mundo pessoas com as mais diversas cores de pele. E que espero que um dia as pessoas entendam que tom de pele é igual tom de cabelo: não faz de ninguém melhor ou pior, apenas nos diferencia visualmente.
Um beijo a todos os meus queridos! Tenham um ano maravilhoso!

Peixinhos,

Bianca Leão.



Eis a música:

http://www.youtube.com/watch?v=JeXtfmAwvvY&feature=fvst

Eis o texto:

Talvez o último desejo (Rachel de Queiroz)


Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para o ano de 1950. E a resposta natural é dizer-lhe que desejo muita paz, prosperidade pública e particular para todos, saúde e dinheiro aqui em casa. Que mais há para dizer?

Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara: Te dana!

Sim te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bichos, ao continente, ao país, ao Estado, à cidade, à população, aos parentes, amigos e conhecidos: danem-se! Danem-se que eu não ligo, vou pra longe me esquecer de tudo, vou a Pasárgada ou a qualquer outro lugar, vou-me embora, mudo de nome e paradeiro, quero ver quem é que me acha.

Isso que eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te dana, meu bem! Dora em vante pode fazer o que entender, pode ir, pode voltar, pode pagar dançarinas, pode fazer serenatas, rolar de borco pelas calçadas, pode jogar futebol, entrar na linha de Quimbanda, pode amar e desamar, pode tudo, que eu não ligo!

Chegar junto ao respeitável público e comunicar-lhe: Danai-vos, respeitável público. Acabou-se a adulação, não me importo mais com as vossas reações, do que gostais e do que não gostais; nutro a maior indiferença pelos vossos apupos e os vossos aplausos e sou incapaz de estirar um dedo para acariciar os vossos sentimentos. Ide baixar noutro centro, respeitável público, e não amoleis o escriba que de vós se libertou!

Chegar junto da pátria e dizer o mesmo: o doce, o suavíssimo, o libérrimo te dana. Que me importo contigo, pátria? Que cresças ou aumentes, que sofras de inundação ou de seca, que vendas café ou compres ervilhas de lata, que simules eleições ou engulas golpes? Elege quem tu quiseres, o voto é teu, o lombo é teu. Queres de novo a espora e o chicote do peão gordo que se fez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o paulista de olho fundo? Escolhe à vontade - que me importa o comandante se o navio não é meu? A casa é tua, serve-te, pátria, que pátria não tenho mais.

Dizer te dana ao dinheiro, ao bom nome, ao respeito, à amizade e ao amor. Desprezar parentela, irmãos, tios, primos e cunhados, desprezar o sangue e os laços afins, me sentir como filho de oco de pau, sem compromissos nem afetos.

Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente ao mormaço.


Mas não faço. Queria tanto, mas não faço. O inquieto coração que ama e se assusta e se acha responsável pelo céu e pela terra, o insolente coração não deixa. De que serve, pois, aspirar à liberdade? O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode viver. O que ele deseja é mesmo servidão e intranqüilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiar, quer se romper todo. Tem que espreitar os desejos do amado, e lhe fazer as quatro vontades, e atormentá-lo com cuidados e bendizer os seus caprichos; e dessa submissão e cegueira tira a sua única felicidade.

Tem que cuidar do mundo e vigiar o mundo, e gritar os seus brados de alarme que ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças previsíveis e carpir junto com os demais as desgraças acontecidas; não que o mundo lhe agradeça nem saiba sequer que esse estúpido coração existe. Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz - o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiado estranho para o seu lado sentir e gemer e se saber seu irmão.

E tem o pai morto e a mãe viva, tão poderosos ambos, cada um na sua solidão estranha, tão longe dos nossos braços.


E tem a pátria que é coisa que ninguém explica, e tem o Ceará, valha-me Nossa Senhora, tem o velho pedaço de chão sertanejo que é meu, pois meu pai o deixou para mim como o seu pai já lho deixara e várias gerações antes de nós, passaram assim de pai a filho.

E tem a casa feita pela nossa mão, toda caiada de branco e com janelas azuis, tem os cachorros e as roseiras.

E tem o sangue que é mais grosso que a água e ata laços que ninguém desata, e não adianta pensar nem dizer que o sangue não importa, porque importa mesmo. E tem os amigos que são os irmãos adotivos, tão amados uns quanto os outros.

E tem o respeitável público que há vinte anos nos atura e lê, e em geral entende e aceita, e escreve e pede providências e colabora no que pode. E tem que se ganhar o dinheiro, e tem que se pagar imposto para possuir a terra e a casa e os bichos e as plantas; e tem que se cumprir os horários, e aceitar o trabalho, e cuidar da comida e da cama. E há que se ter medo dos soldados, e respeito pela autoridade, e paciência em dia de eleição. Há que ter coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou.

E assim, em vez da bela liberdade, da solidão e da música, a triste alma tem mesmo é que se debater nos cuidados, vigiar e amar, e acompanhar medrosa e impotente a loucura geral, o suicídio geral. E adular o público e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se dedicar a si própria e aos seus desejos secretos.

Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades?

O único desabafo é descobrir o mísero coração dentro do peito, sacudi-lo um pouco e botar na boca toda a amargura do cativeiro sem remédio, antes de o apostrofar: Te dana, coração, te dana!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Carta ao Sr. B.

Cidade das Mangueiras, 19 de janeiro de 2011

Sr. B.,

Plantei flores em nossas cinzas e, de nossos cacos, ergui um baluarte. Se celebrei o réquiem de nosso amor-defunto com risos cristalinos foi para esconder de todos minha alma chorosa. Não pudeste sustentar minha leveza. Mas não te culpo, senão por me protegeres do julgo das verdades inteiras.
Sr. B., não te enganes,não é porque não exijo explicações que não as quero. Sei, contudo, que cada um dá o que pode. Quanto a mim, só o que posso te dar é minha alegria. Perdão se ela chega a ser ostensiva, mas não tenho outro repertório.
Só te faço um último pedido: nunca mais ouses pousar nos meus os teus olhos de kriptonita.

Atenciosamente,
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