sábado, 24 de outubro de 2009

A mulher em frente ao espelho


Demorou mais de 20 anos, mas ela finalmente fez as pazes com o espelho. Aprendeu - como que em uma descoberta - a gostar de si exatamente do jeito que era. Despiu-se de seus preconceitos de beleza, que lhe caiam como um uniforme. Vestiu-se de si mesma e gostou.

Gostou de ter cabelos cacheados e não lisos. Orgulhou-se da história que eles contavam porque eram afro e, ao mesmo tempo, eram europeus; quiçá também indígenas. Ficou satisfeita em não ser loira e de não ter a pele clara, pois também sua pele era herança de antepassados de múltiplas nacionalidades. Sua cor era, portanto, matiz. Aliás, sua pele, de tanto ter histórias, parecia ser em braile. Isso também agora começara a admirar.

Não teve pudor ao apreciar seu corpo todo em frente ao espelho. Gostou de seus seios pequenos, de suas ancas e coxas. Era tudo natural e seu: ela já não tinha vergonha de ser.

Estava feliz por ser mulher e não homem pois acreditava que ser do sexo feminino lhe conferia uma infinidade de sentidos antagônicos e complementares. Significava ser, simultaneamente, submissa e insubmissa, forte e delicada, sofisticada e agreste.

Descobriu que sua beleza não estava na maquiagem, nos acessórios ou nas roupas que usava. Se assim fosse, o belo estaria fora dela. Mas não estava. Era linda pelo brilho de seus olhos, mesmo quando emoldurados por olheiras. Formosa, porque tinha o sorriso fácil e simplicidade nos gestos. Não era Narcisa, era Mulher e estava diante do espelho.





Obs.: Foto de Elena Kalis ( http://www.elenakalisphoto.com/ )

Um comentário:

  1. No final, se não gostarmos de nós mesmos...quem vai gostar?
    E eu até gosto de ser assim: um pouco bobo. =)

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