quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A menina que desejava



Só o que separava Maria Eduarda do brinquedo de seus sonhos era uma folha de vidro - e R$ 700. Na vitrine de uma loja ao lado de sua casa resplandecia o objeto de desejo da menina e, junto com ele, seus pequenos olhos. Desde o primeiro dia que o viu, Eduarda começou a juntar cada centavo que passava por suas mãos. Guardava em um saco plástico porque achava um desperdício comprar um cofre.

A garotinha, porém, sabia que levaria anos para conseguir a quantia. O caso era que o seu desejo era urgente. E se outra pessoa levasse o brinquedo? E se, quando conseguisse o dinheiro, não tivesse mais idade para brincar?

Pensou em começar a trabalhar, mas quem contrataria uma menina de oito anos? O Estatuto da Criança e do Adolescente proibia. No entanto, ainda que alguém desobedecesse, quanto ganharia? Provavelmente uma quantia irrisória.

Cada vez que passava diante da vitrine, Eduarda sentia algo diferente. Tinha dias que, esperançosa, enchia-se de sonhos e fazia os planos mais mirabolantes que possam ser criados na cabeça de uma criança. Em outros, ficava irritada por ter de passar de segunda-feira a sexta-feira, obrigatoriamente, em frente à mercadoria exposta, já que não tinha outro caminho para ir à escola.

Desejava o brinquedo com tanta intensidade que, às vezes, tinha vontade de quebrá-lo só para extinguir de vez a possibilidade de tê-lo. Queria roubá-lo ou mudar-se da casa ao lado dele. Irracional, imaginava-se jogando uma pedra no vidro da loja e saindo correndo.

Maroca, já não via graça em outros brinquedos. Até pular elástico com as vizinhas, que antes a deixava empolgadíssima, agora parecia ser chato. A menina sentia-se envergonhada pois a mãe ensinara que ela não deveria ter apego às coisas materiais. "Existem crianças que sequer têm o que comer. Seja grata à Deus por tudo o que você tem", dizia. Todavia, Maria Eduarda mão conseguia deixar de desejar.

Enquanto esperava pelo dia em que seu desejo finalmente se realizaria - (Será que ele chegaria?) - a menina resolveu inventar novos sonhos. Inventou, por exemplo, que queria ganhar o concurso de talentos do colégio e que aprenderia a tocar violão. Depois, que entraria na Universidade e que conseguiria uma bolsa de estudos fora do País. E assim ela seguiu pela vida inventando sonhos e mais sonhos, uns até bem maiores que aquele.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Passarinho

Mesmo depois de despencar de uma altura de mil metros, sobreviveu. Era passarinho, mas sua especialidade não era voar. Não que seu canto fosse dos mais belos, mas era com a alma que cantava e isso lhe exigia muito. Mas voltemos ao voo.

Passarinho gostava de voar em lugares que já conhecia. Era assim: ia ao local devagarinho, pisando o solo com as perninhas delicadas.Passeava, passeava. De vez em quando, ensaiava um pequeno voo. Quando sentia que o chão era fofo e sem desníveis, demorava-se um pouco mais no ar. Mas seus voos costumavam ser breves. Circulava e circulava. Passarinho não gostava de ver tudo pequenininho lá em baixo. Gostava de observar de perto as pessoas, as árvores, os cachorros, sempre desengonçados.

Passarinho também não gostava de passar muito tempo sobrevoando o mesmo lugar. Mas quando voava para estudar novos territórios, acabava voltando para saber as novas histórias dos locais que já conhecia.Passarinho gostava mesmo era de cantar. Quando cantava, lavava a alma. E se lavasse outra além da sua, emocionava-se. Depois de cantar, Passarinho gostava de abrigar-se em uma árvore-sofá e receber um cafuné. Passarinho inclinava o pescoço para frente e eriçava as penas, todo manhoso.

Certo dia, ao pisar sobre um terreno novo, Passarinho teve a impressão de que há muito já o conhecia. Ainda quis estudar mais o solo, voar baixinho, mas a brisa leve lhe convidava para voos mais altos. Não conseguiu resistir. Sentiu que ali podia cantar o quanto quisesse e não hesitou. Encheu o pulmão dos novos ares - e como lhe entravam suaves pelas narinas - e cantou e cantou. E a música que saia de seu bico ora alegrava os habitantes do lugar, ora os consolava.

Passarinho sentia-se em casa. Quanto mais alto voava, mais avistava promessas de belas paisagens. Ia mais e mais longe. O vento passava sob e sobre suas asas e Passarinho já não tinha medo de sobrevoar montanhas e mares. Ele agora sabia o que era liberdade e, a cada bater de asas, sentia-se mais seguro.

Até que, de repente, o vento mudou de direção. Passarinho perdeu a estabilidade e estatelou-se no chão. Enquanto junta seus pedaços, Passarinho pia triste. Passarinho voltou a ter medo de voar.

OBS.: Foto retirada do site : belasmensagens.zip.net